Sobre a COP 21<br>e o combate às alterações climáticas

Vladimiro Vale (Membro da Comissão Política do PCP)

Está a decorrer, em Paris, a Conferência no âmbito das Convenções Quadro sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas, num quadro em que é aceite que deveria haver definição de objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa mais ambiciosos.

Os países desenvolvidos são os que mais poluem e poluíram

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Ao ritmo actual de emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE), dentro de cerca de 25 anos será ultrapassado o limite de mil milhões de toneladas de carbono libertado cumulativamente para a atmosfera, o que produzirá um aumento da temperatura global de 2ºC . Uma vez atingido este aumento, teme-se reacções irreversíveis nos sistemas climáticos e que a humanidade não poderá voltar às condições em que a civilização se desenvolveu (http://monthlyreview.org/2015/11/01/the-great-capitalist-climacteric/).

Seria justo que se abordasse este problema partindo da ideia de que existe responsabilidade comum mas diferenciada entre países industrializados e em desenvolvimento e que seria necessária ajuda aos países em desenvolvimento para fazer face ao combate e às consequências das alterações climáticas. No entanto, a administração dos EUA, país com responsabilidades históricas na poluição do planeta, quer um sistema único de regras de «combate às alterações climáticas» para todos os países. Dizem que essas regras, para serem inclusivas e para serem válidas para um largo espectro de países, têm que ser pouco rígidas.

Não querem dois sistemas – um para países desenvolvidos, outro para países em desenvolvimento – porque estão a pensar em formas de condicionar os países em desenvolvimento, nomeadamente os BRIC. A fórmula proposta pelos EUA é potenciadora de injustiças, na medida em que os países industrializados, que mais contribuem e contribuíram para a dita acumulação de carbono na atmosfera, querem agora pagar a mesma factura que os chamados países em desenvolvimento. Tanto mais que não basta comparar uma produção instantânea ou anual de GEE, visto que a poluição é um fenómeno cumulativo.

Muito se tem falado do reforço do Fundo Verde para os 100 mil milhões de dólares. A questão do financiamento é importante, mas também é importante esclarecer como vai ser aplicado este fundo: para uma ajuda e cooperação genuínas ou para financiar projectos de multinacionais e outras estruturas num esquema neocolonial de acentuação da dependência dos países em desenvolvimento, como tem vindo a acontecer? A Alemanha, país defensor do reforço do Fundo Verde, quer instituir seguros (com fundos privados e públicos) supostamente para os países mais frágeis responderem a catástrofes, mas que tem tudo para ser mais uma forma de financiamento indirecto das seguradoras e de grupos financeiros e económicos, a pretexto de ajudar os países em desenvolvimento.

Campanha ideológica

A propósito do combate às alterações climáticas existe uma imensa campanha de propaganda ideológica com que os centros de decisão do capital pretendem legitimar mecanismos de acumulação capitalista (como o «Mercado de Carbono»), favorecer processos de natureza colonial e de financiamento de projectos de grandes grupos transnacionais em países em desenvolvimento, potenciando a dominação imperialista dos recursos destes países. Outro objectivo notório é o de passar o ónus dos problemas ambientais para os comportamentos individuais, de modo a desculpabilizar os verdadeiros responsáveis e a criar condições para vir a legitimar o aparecimento de novos impostos sobre os trabalhadores e a população, acentuando injustiças.

O «Mercado de Carbono» não funciona e tem tido um efeito perverso. Num quadro de crise e de redução da actividade económica, os produtores de GEE diminuíram a procura de licenças de produção de CO2. Com a diminuição da procura baixou o preço das licenças o que tornou muito barato poluir. A tonelada de CO2 chegou a atingir os três euros, e mesmo após intervenção da UE, apenas aumentou para os oito euros, o que faz com que seja barato utilizar combustíveis mais poluentes.

A utilização de argumentos ditos ecologistas para aumentar a carga fiscal sobre as camadas mais empobrecidas teve como exemplo recente e paradigmático a Reforma da Fiscalidade Verde do governo PSD/CDS, que o PCP caracterizou como uma reafectação da tributação, com base no argumento falso de que a taxação dos seus hábitos e actividades têm efeitos ambientais sensíveis.

O que seria necessário que saísse da COP21 era a definição de uma real política de limitação de emissões com efeito estufa e outros poluentes, através de normativo específico, sem atribuição de licenças transaccionáveis e que tenha em conta uma justa distribuição dos esforços para a alcançar, por sectores e países; diminuição da dependência face aos combustíveis fósseis através de aumento da eficiência energética; desenvolvimento e aplicação de alternativas energéticas de domínio público e investimento em investigação.

No entanto, corremos o risco de que a 11 de Dezembro, dia em que termina a COP21, se volte a repetir aquilo que o PCP denunciou a propósito da Conferência de Copenhaga em 2009: «esta conferência poderá não constituir mais do que uma nova etapa da propaganda mundial sobre alterações climáticas, contribuindo para que se aprofundem as experiências de mercado e mercantilização da natureza para que não sejam, de facto, tomadas as medidas necessárias para a preservação dos valores e recursos naturais das quais a Humanidade depende.»



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